segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Americanos já preferem o celular ao carro

Quem sabe ainda poderemos evitar a repetição de alguns erros das sociedades prósperas do norte e dentro de alguns anos, a começar de já, construiremos cidades mais equilibradas e humanas, canalizando os recursos econômicos economizados na mobilidade para avanços nas muitas outras fronteiras sociais em que ainda somos carentes.

Até pouco tempo atrás, confesso que começava a desanimar da possibilidade de reverter a paixão pelo transporte individual e tornar o transporte público competitivo. Mas do ano passado para cá começaram a surgir diversas notícias animadoras vindas, surpreendentemente, do país visto como o país do automóvel.

Nos Estados Unidos de minha adolescência, assim que alcançavam a idade legal para dirigir (que variava entre 16 e 18 anos conforme o Estado), todos os adolescentes tiravam suas habilitações e ganhavam ou compravam com seu próprio dinheiro o primeiro carro. Este veículo de pelo menos 8 a 10 anos de uso (o meu era um Hudson – quem reconhece a marca? – que me custou $50) proporcionava de imediato sensação de liberdade (principalmente em relação aos adultos) e de trilhar caminhos livres nos quais se encontraria com muitos outros de sua idade em idênticas condições de status.

Descubro agora que, de acordo com o New York Times, enquanto 65% dos americanos com até 19 anos em 1998 eram habilitados a dirigir, em 2008 - apenas dez anos depois - o número caiu para surpreendentes 46%! Ou seja, cada vez menos jovens passam a ser motoristas, tornando o hábito de dirigir cada vez menos especial, e mais uma atividade banal, sem maior glamour, realizada de forma racional apenas quando conveniente.

O automóvel está cada vez mais sendo reconhecido como um investimento caro, não mais um símbolo do ritual de passagem para a vida adulta e sim uma conveniência a ser alcançada e utilizada quando possível, após o preenchimento de outras prioridades, apesar de lá todos viverem em cidades que foram construídas para que sejam funcionais quando se utiliza o automóvel.

Essa tendência pode ser interpretada não como o abandono da tecnologia de maneira geral mas como uma migração para outra tecnologia – a dos aparelhos eletrônicos inteligentes de comunicação que, além de mais acessíveis, proporcionam aos jovens de hoje as mesmas vantagens que antes eram obtidas pelo uso do automóvel.

O conjunto de um bom telefone inteligente e/ou tablet proporciona a qualquer adolescente ou jovem inúmeras oportunidades de saber o que está acontecendo e de se inserir no “mercado” das relações tão importantes para essa fase da vida. Enquanto o automóvel o levava fisicamente a alguns locais que muitas vezes depois se provavam decepcionantes no cumprimento das expectativas, o celular o mantém em contato com tudo simultaneamente, proporcionando as informações para que possa então aparecer estrategicamente no local e hora certa para o que pretende, ou até mesmo não sair.

Apesar dessas notícias serem animadoras, precisamos entender como essas mesmas forças de mercado – pela globalização de atitudes e valores - irão influenciar a nossa realidade que está em uma fase de incorporação de novas parcelas da população ao mercado de consumo.

Adaptando realisticamente ao Brasil esse fenômeno, é preciso considerar que aqui o automóvel é altamente valorizado e sua compra por aqueles que até há pouco não podiam sequer pensar nisso, por fatores financeiros, está em aceleração e ainda existe um campo muito grande antes que o país atinja motorização próxima dos Estados Unidos. No entanto, diferentemente do que aconteceu lá, onde o aumento da motorização ocorreu isoladamente antes do aparecimento de outros desejos juvenis de investimento, aqui as forças que tornam os equipamentos de comunicação essenciais já estão atuando junto com a motorização.

No mínimo, o que podemos entender é que já existem argumentos fortes para se conversar com essa camada jovem que, além de numericamente importante de imediato, ainda representa em seus hábitos e valores a população que futuramente se tornará majoritária e que influenciará as prioridades políticas das próximas décadas, mas tudo isso na condição de existirem alternativas atraentes de transporte público.

Quem sabe ainda poderemos evitar a repetição de alguns erros das sociedades prósperas do norte e dentro de alguns anos, a começar de já, construiremos cidades mais equilibradas e humanas, canalizando os recursos econômicos economizados na mobilidade para avanços nas muitas outras fronteiras sociais em que ainda somos carentes.

Claudio de Senna Frederico
Consultor, ex Secretário de Estado de Transportes Metropolitanos (São Paulo), ex Presidente da ANTP, ex Diretor do Metrô de São Paulo

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