segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Carro desafia vale-transporte


Autor(es): SÍLVIO RIBAS e JORGE FREITAS
Correio Braziliense - 03/09/2012

Benefício que responde por 40% das receitas das empresas de ônibus perde alcance com popularização dos automóveis.

Criado para preservar os salários diante do impacto de sucessivos reajustes das passagens de ônibus nos tempos de hiperinflação, o vale-transporte completa em setembro 25 anos como auxílio obrigatório para milhões de trabalhadores em meio a novos desafios. Predominantemente na forma de cartão eletrônico, o benefício, garantido pela Lei 7.619 de 1987, não abre mais espaços para o mercado paralelo que alimentava quando era fornecido como bilhete de papel. Mas o seu uso está sendo cada vez mais limitado pela popularização do automóvel, aliado à pressão de empregadores em favor da alternativa de se transferir aos contracheques o correspondente à sua parcela referente ao valor devido.

Os empregados arcam com, no máximo, 6% do salário básico, excluídos quaisquer adicionais ou vantagens, descontados no contracheque. Os empresários do transporte urbano temem que essas tendências acabem por inviabilizar o sistema, cuja renda está 40% baseada no vale-transporte. Eles alegam que, além do papel de inclusão social, o sistema de bilhetagem, custeado essencialmente pelo empregador, também serve de base a políticas públicas voltadas à mobilidade urbana.

"Não existe transporte urbano sem subsídios, sobretudo, onde a baixa renda representa a maioria dos usuários cativos", ressalta Otávio Cunha, presidente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). De acordo com pesquisa anual realizada pela entidade, a ausência do benefício levaria a um aumento exponencial da frota particular de automóveis e motocicletas, com um acréscimo de mais 40 milhões de unidades.

A associação defende maior compromisso dos governos com a aplicação da lei no que se refere ao vale-transporte, para garantir a sustentabilidade de um negócio de R$ 11,2 bilhões anuais, além de investimentos públicos em corredores exclusivos de ônibus, como forma de inibir avanços do transporte individual. "Os maiores ganhos viriam da melhoria de tráfego e do controle da poluição", ilustra Cunha.

Esse sistema expresso para ônibus, mais conhecido por BRT, da sigla em inglês bus rapid transit, requer aperfeiçoamentos até mesmo em Curitiba, capital que foi a sua principal vitrine. Na avaliação dos técnicos do setor, apostar em soluções modernas de deslocamento em superfície, com qualidade e velocidades dos serviços, é a estratégia mais efetiva para combater gargalos do trânsito. Segundo André Dantas, diretor técnico da NTU, o BRT faz parte da realidade do Brasil, adequado a cidades de qualquer porte. "Trata-se de uma inovação brasileira adotada em mais de 80 cidades do mundo", lembrou.

Cartões

Os cartões eletrônicos já estão presentes em 90% das cidades com mais de 100 mil habitantes. A cobrança automatizada permite melhor gestão pelas empresas do benefício dado aos funcionários. Tiago Henrique Duarte, 16 anos, por exemplo, usa o benefício para se deslocar da escola de ensino médio onde estuda até o emprego onde trabalha como auxiliar de escritório. "Tenho vale-transporte, que tem custo bem menor se fosse pagar diretamente a passagem, e também o cartão do estudante", disse.

Sindicalistas alertam que, por ser fornecido separadamente do salário, o vale-transporte contribui para evitar que seus valores sejam gastos com outras finalidades. O vale-transporte faz parte da rotina do vigilante Fábio Brito, 39, que percorre diariamente 36 quilômetros da residência até o local de trabalho, usando metrô e ônibus regular e pirata. Mas o benefício de R$ 140 mensais esbarra nas falhas de cobertura do próprio transporte urbano. "O cartão é muito bom, mas se recebesse em dinheiro poderia me desenrolar mais facilmente e vir de lotação", revela.

Ele reclama ainda de transportadores que não aceitam o vale, acumulando créditos que não podem ser sacados em espécie. "Tenho quase R$ 3 mil de saldo, mas o empregador não me devolve nem o dinheiro que é descontado do salário. Já ouvi que posso buscar esse direito na Justiça", conta. Milton Negreiros, 40, vigilante, usa o vale-transporte para fazer quatro viagens diárias, em um total de 24 quilômetros. Além disso, recarrega mensalmente os cartões eletrônicos usados pelos três filhos para ir à escola. Ele gasta R$ 300 por mês e economiza R$ 80 porque seus filhos viajam com o vale-transporte.

Em dinheiro

O repasse do vale-transporte em dinheiro para o empregado foi apreciado em 2010 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu a legalidade dessa forma de concessão e impediu o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) de cobrar contribuição previdenciária sobre os valores repassados. A Previdência teme que as empresas que adotem essa prática tentem burlar o pagamento da contribuição ao elevar salários, alegando ser esse aumento parcelas do vale-transporte. O julgamento do STF valeu para um caso específico e não tem efeito para todos, mas serve de referência para casos futuros. Além dos funcionários assalariados de empresas, mesmo os temporários, também têm direito ao vale-transporte os empregados domésticos.

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