segunda-feira, 11 de março de 2013

A verdade sobre o aumento das tarifas de ônibus

Autor(es): OTÁVIO CUNHA
Correio Braziliense - 27/02/2013

Presidente executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU)

Os aumentos das tarifas do transporte coletivo urbano são simplesmente o resultado do círculo vicioso que ocorre porque o transporte público torna-se cada vez menos competitivo em relação ao transporte privado e atrai cada vez menos passageiros pagantes, que dividem custos crescentes. Círculo perpetuado e negligenciado ao longo dos últimos anos. Essa é uma verdade que poucos entendem e/ou querem entender, principalmente porque ela é ao mesmo tempo complexa e desafiadora.

A complexidade decorre das relações de interdependência entre os custos dos insumos, número de passageiros pagantes, processo de desenvolvimento urbano e a atratividade do modo de transporte privado. Por outro lado, o caráter desafiador refere-se à dificuldade de implantar uma política pública de longo prazo para o transporte coletivo urbano. Obviamente, essa situação gera um reflexo direto sobre os valores das tarifas em todas as cidades brasileiras, pois os operadores do transporte coletivo urbano têm que alcançar o equilíbrio econômico-financeiro para manter os serviços ofertados à população.

Em termos práticos, existem diversos indicadores que demonstram a existência, perpetuação e negligência em relação ao sistema vicioso no transporte coletivo urbano. Segundo levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), realizado em 2012, nos últimos 17 anos a tarifa média nacional ponderada aumentou 36%. Uma série de fatores contribuiu significativamente para esse aumento. Entre eles, podemos destacar: a redução de mais de 25% da quantidade de passageiros transportados nas principais cidades brasileiras; o nível de gratuidades concedidas a diversos grupos sociais, que alcançou média nacional de 25% dos passageiros transportados; e a incidência de carga tributária direta e indireta da ordem de 22% do valor da tarifa.
Paradoxalmente, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revela que os subsídios diretos ao transporte individual são 11 vezes maiores do que os concedidos ao transporte público urbano. Nessa mesma linha de incentivo ao transporte individual, pode-se incluir a redução/eliminação do Imposto sobre Produção Industrial (IPI) incidente sobre os veículos automotores populares.

Infelizmente, essa verdade inconveniente e os fatos que demonstram essa repetição viciosa são colocados em segundo plano no debate com a sociedade. Frequentemente, o foco é o índice de reajuste da tarifa, que é amplamente questionado e considerado injusto, pois contribui para o aumento dos custos de deslocamentos das famílias brasileiras. Os especialistas, os gestores públicos e a sociedade civil organizada (e desorganizada) dedicam-se a inúmeras discussões, que obtêm ampla cobertura midiática, mas contribuem muito pouco para tratar da questão principal. Pior ainda, existe uma tendência recente de reação contra o aumento das tarifas do transporte público em função dos impactos na inflação e no cumprimento das metas inflacionárias. Conforme foi amplamente noticiado pela imprensa, a presidente Dilma Rousseff solicitou aos prefeitos de São Paulo e do Rio de Janeiro que os aumentos das tarifas não fossem realizados, pois contribuiriam significativamente para o impacto inflacionário indesejado.

Assim como Al Gore, que apontou para a necessidade de encarar as evidências do aquecimento global e as consequências potencialmente devastadoras, a verdade inconveniente sobre os aumentos das tarifas dos ônibus precisa ser enfrentada sem hipocrisia. Enquanto não estivermos dispostos a criar um círculo virtuoso para o transporte coletivo urbano, estaremos tropeçando nos aumentos da tarifa e em reclamações de todas as partes. A criação de um círculo virtuoso depende diretamente da priorização do transporte público associada a políticas de redução de impostos e tributos incidentes sobre a tarifa.

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