sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Mobilidade urbana: uma prioridade nacional

Autor(es): Josef Barat
O Estado de S. Paulo - 31/07/2013

Há mais de uma década, em artigo publicado sobre a mobilidade urbana, comparei o esforço das administrações locais ao trabalho imposto a Sísifo, rei de Corinto, por gerar expectativas e frustrações crescentes. Isso porque as forças que derrubam a pedra montanha abaixo são inteiramente exógenas ao controle local. Estaremos sempre diante de promessas de um eterno recomeço.

É impossível administrar a mobilidade urbana sob a perspectiva exclusivamente local, em razão de fortes interferências que escapam ao seu controle. Por décadas as grandes cidades brasileiras foram atingidas por intensas migrações internas; produção e consumo de automóveis e abandono e fragilidade das alternativas ferroviárias. A Constituição de 1988 apontou o caminho da descentralização e da maior participação dos poderes locais, mas é óbvio que , sem prejuízo do processo de reordenamento do federalismo brasileiro, há necessidade de recolocar os transportes urbanos como prioridade nacional. Desde os fins dos anos 1980, a União vem se omitindo da responsabilidade de participar do financiamento de grandes projetos de transporte público. O interesse nacional deve ser entendido hoje como um esforço conjunto consistente e cooperativo de estratégias, políticas e programas envolvendo os três níveis de governo.

O que falta ao País é, portanto, uma política nacional capaz de incorporar planos e ações governamentais às interferências que transcendem a gestão local. Esta, frequentemente, atua mais sobre os efeitos do que sobre as causas, em especial aquelas estruturais. As autoridades locais ficam na condição de reféns dos graves problemas econômicos e sociais do País. Os exemplos mais gritantes e recentes são os equívocos do governo federal - que alimentaram a pauta das manifestações de rua - ao “esquecer” de que o transporte público é parte da cesta básica das famílias e ao subsidiar pesadamente o transporte individual pela desoneração fiscal dos automóveis e da gasolina. Mais automóveis circulando em vias precárias e congestionadas, de um lado, e queda vertiginosa na qualidade e expansão do transporte público por falta de investimentos, de outro, foi o castigo imposto pelo governo federal a prefeitos e governadores, condenados a um trabalho interminável e inútil, pois é preciso recomeçá-lo sempre.

O fato é que não se tem prioridades claramente definidas para regiões metropolitanas, grandes aglomerações e centros de porte médio. De acordo com os tamanhos urbanos, é possível, inclusive, definir diretrizes e prioridades diferenciadas para tecnologias de maior ou menor complexidade (metrô, trens e corredores de bondes e ônibus), estimulando o desenvolvimento tecnológico e industrial do País, além de induzir efeitos que dinamizam a cadeia produtiva do transporte.

O estabelecimento de bases cooperativas entre os níveis de governo e regras de adesão voluntária dos Estados e municípios, de forma a buscar a complementaridade de planos, programas, projetos e ações executivas dos níveis envolvidos parece ser uma boa forma de dar sustentação e governança a uma política de mobilidade de âmbito nacional. Por outro lado, a complementaridade de ações federais, estaduais e municipais pode alavancar recursos provenientes de outras fontes de financiamento, como instituições multilaterais e nacionais de fomento, entidades financeiras privadas e investimentos privados diretos, por meio de concessões ou parcerias.

A argumentação apresentada aponta boas razões para que o governo federal não se omita mais em relação aos transportes urbanos e as autoridades locais não se julguem auto-suficientes para resolver seus problemas. O esforço de recuperar a capacidade técnica de planejamento, a preparação para os novos desafios relacionados com a regulação e a necessidade de implementar modernos sistemas de gestão são razões a mais para um trabalho conjunto e a maior presença do governo federal.

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